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Uma breve análise do financiamento da pesquisa no Brasil

Publicado: Quinta, 20 de Abril de 2017, 11h00

A atividade acadêmica de maneira institucionalizada iniciou-se tardiamente no Brasil, mesmo quando comparada com a de outros países da América Latina. A vinda da família real portuguesa, que fugia das tropas de Napoleão, em 1808, fez do Rio de Janeiro a capital do Império. Foram criados então, no Brasil, os primeiros cursos superiores de engenharia e medicina. O conceito de um planejamento científico, entretanto, inicia-se somente na década de 1930, predominantemente na área de saúde. Como exemplo do financiamento à pesquisa em física, o fato mais relevante foi a vinda do ítalo-ucraniano Gleb Watagin (1899-1986) em 1934, que criou o Departamento de Física da FFCL-USP. Uma década depois de sua chegada, começa uma busca mais institucionalizada pelo financiamento da ciência. 

O reconhecimento, por parte da sociedade, acerca da importância da atividade científica como instrumento para o desenvolvimento vem depois da produção da bomba atômica. Segundo relato do físico brasileiro Marcelo Damy (1914-2009), logo após a Segunda Guerra foi recebido apoio financeiro da Fundação Rockefeller. A Fundação Rockfeller contribuiu com US$ 75 mil, destinados a montar um acelerador e trazer ao país pesquisadores estrangeiros, como o físico norte-americano Arthur Compton (1892-1962), prêmio Nobel em 1927. O início da mobilização dos cientistas ocorre efetivamente em 1948, com a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que será a grande interlocutora da comunidade científica com órgãos governamentais. 

A consciência da necessidade de uma ação mais articulada para o planejamento da ciência já estava madura na década de 1930, mas somente em 1951 foi criado o então chamado Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), vinculado à Presidência da República. O CNPq foi criado graças a ações pessoais do almirante e químico Álvaro Alberto da Mota e Silva (1889- 1976). Também nesse ano, foi criada a então chamada Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação (MEC), com o objetivo de formar recursos humanos com qualidade para atender às necessidades das empresas públicas e privadas.

Nas décadas de 1960 e 1970, houve a consolidação de um apoio expressivo em infraestrutura laboratorial e formação de recursos humanos, além da criação de instituições de pesquisa. Em 1964, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), cujo Fundo Nacional de Desenvolvimento Técnico e Científico (Funtec) destinava-se a apoiar as áreas de ciências exatas e tecnologia. Criado em 1969, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi responsável pela consolidação de importantes laboratórios no país. Como exemplo, pode-se citar o acelerador Pelletron, o mais importante equipamento na área de pesquisa nuclear no país, sediado no campus da USP, que recebeu US$ 2 milhões em 1971. Nessa época, o FNDCT tinha em sua carteira aproximadamente 1,1% do orçamento da União. Cumpre destacar, ainda, a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – inspiração para outros estados –, que, desde sua origem, em 1960, teve garantido por Lei o repasse orçamentário de 0,5% do total da receita tributária do Estado de São Paulo – hoje, esse valor é de 1% –, e que tem contribuído para o engrandecimento da ciência no Brasil e, em particular, de São Paulo.

Nas décadas de 1980 e 1990, a FAPESP manteve o financiamento da pesquisa sem turbulências – o que não pode ser dito do governo federal e de outras fundações estaduais. O FNDCT, nos anos 1990, chegou a ter 0,3% do orçamento da União, quando a comunidade cientifica viveu grave crise, sobrevivendo com os parcos recursos do CNPq e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Entre 1997 e 2002, por exemplo, somente a FAPESP alocou, na área da física, mais recursos que a principal agência federal brasileira, o CNPq (figura 1), o que também ocorreu em outras áreas do conhecimento. Desde sua criação, em 1951, o CNPq foi o principal órgão de financiamento da pesquisa no país, além de formulador da política científica. Em 1985, porém, com a criação do então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o CNPq passou a ser um executor de programas, colocando em segundo plano seu papel de formulador de políticas. O respiro para a comunidade veio por meio de uma ação engenhosa do governo federal: a criação, em 1998, dos fundos setoriais – atualmente são 15 –, alimentados por várias fontes de receita que compunham o FNDCT, como (i) royalties sobre produção de petróleo e gás; (ii) percentual da receita operacional líquida de empresas elétricas etc. Essa ação foi aplaudida pela comunidade científica, que viu o retorno de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) aplicado, principalmente, na inovação tecnológica e em projetos de cooperação academia-empresa. Vale ressaltar que, no projeto de lei de criação dos fundos, há uma cláusula relevante relacionada à diminuição das desigualdades regionais no financiamento à pesquisa e inovação, estabelecendo que um percentual mínimo de 30% de suas receitas deveria ser aplicado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.

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Figura 1: Dispêndio anual em Física e Astronomia, FAPESP e CNPq, corrigidos em $PPP
Fonte: FAPESP

A figura 2 mostra o investimento nacional em P&D dos setores público e privado no período de 2000 a 2013, em milhões de dólares, comva correção da paridade do poder de comprav(PPC). O setor de financiamento público passa de um patamar de US$ 8,5 bilhões em 2000 para US$ 22,9 bilhões em 2013, com uma taxa de crescimento acentuada a partir de 2005. No setor privado, também verifica-se um aumento de US$ 8 bilhões para US$ 16,8 bilhões. Se observarmos o investimento em P&D em relação ao produto interno bruto (PIB), ele é de 0,54% no setor público em 2000, subindo para 0,71% em 2013. O setor privado oscila entre 0,50% a 0,57% do PIB nesse período. Com isso, o total de investimento nacional em P&D em relação ao PIB passa de 1,04% em 2000 para 1,24% em 2013. Atualmente, o valor é de 1,00%.

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Figura 2: Dispêndio nacional em P&D – setor privado (vermelho), setor público (verde) e total (azul)
Fonte: ASCOV/MCTI

A figura 3 apresenta a execução orçamentária do CNPq (figura 3A) e do FNDCT (figura 3B) em milhões de reais, em valores correntes. Vale destacar o acentuado crescimento da execução do FNDCT em 2013, devido a uma política agressiva em inovação tecnológica operada pela Finep/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Os institutos de pesquisa do MCTI, entre 2006 e 2010, apresentaram um crescimento significativo da infraestrutura de pesquisa, com a construção de 50 novas edificações destinadas à ampliação e modernização das instalações de P&D. Alguns exemplos: laboratório de instrumentação do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), laboratório e sede do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), laboratório de nanotecnologia do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e ampliação da infraestrutura e das instalações experimentais do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Esse avanço também ocorreu por meio de diversas outras ações em laboratórios de universidades. 

Figura 3A-CNPq | Figura 3B-FNDCT
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Figura 3: Execução orçamentária no período de 2000 a 2013 do CNPq (3A) e FNDCT (3B)
Fonte: ASCOV/MCTI

A invenção científica está ausente do pensamento da maioria de nossos analistas e gestores econômicos. A inovação tecnológica tem como raiz a invenção que nasce nas universidades e nos institutos de pesquisa. A desaceleração da economia não deve ser acompanhada de cortes nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Hoje, no Brasil, formamos aproximadamente 14 mil doutores por ano, o que se deve aos exitosos programas de pós-graduação. Somos o 13° país que mais publica artigos científicos em revistas indexadas. Na última década o governo construiu, por meio de diferentes ações, um arcabouço para transformar o conhecimento em desenvolvimento e inovação tecnológica. A inovação tecnológica tem como raiz a invenção, a partir de intenso trabalho realizado nas universidades. Somos um país cujas empresas ainda inovam pouco, embora, nos últimos anos, tenha ocorrido algum crescimento – sempre apoiado por programas de incentivo à inovação, como o Inova Empresa, lançado em 2013 pelo MCTI/FINEP; a criação da Empresa Brasileira de Inovação Industrial (Embrapii), com o objetivo de aumentar a intensidade tecnológica e diminuir o risco do investimento privado; o Programa TI-Maior; Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia etc. Nosso país está passando da invenção para a inovação – sem descuidar da invenção! O setor privado normalmente evita investir em inovações tecnológicas, o que é intensificado em tempo de crise, pelo aumento do risco; é o Estado, portanto, quem deve assumir o protagonismo. 

Estamos vivendo um momento muito delicado em nossa economia, com baixo crescimento, mas é imperioso preservar as conquistas obtidas nas últimas décadas no campo da ciência, tecnologia e inovação. Devemos priorizar programas com missões orientadas para o desenvolvimento. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que, enquanto nos EEUU 90% do financiamento governamental em pesquisa é orientado para o desenvolvimento do país, no Brasil esse número é de somente 30%. Hoje, no Brasil, o setor privado investe menos que 0,5% do PIB. Nos EEUU, o setor privado investe 1,97% do PIB. Os esforços do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) deveriam priorizar setores de interesse do Estado, como Energia, Meio Ambiente, Aeroespacial e Saúde. Existem várias ações em andamento que não podem parar e certamente podem ser aperfeiçoadas. A inovação tecnológica não é o remédio para ‘tirar a dor’ de nossa indústria; ela é ‘a cura’. Exige, contanto, programas de longo prazo, ‘espírito animal’ do empresário e participação permanente do Estado. Quando o banco Lehman-Brothers ‘quebrou’, em setembro de 2008, uma crise financeira afetou fortemente a economia americana. O presidente Barack Obama não teve outra saída: executou cortes no orçamento, na busca de solucioná-la. Os programas na área de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, entretanto, foram preservados. A explicação está no fato de que, quando a crise passar, o país deve estar preparado para continuar crescendo; portanto, é fundamental continuar gerando novos conhecimentos, buscando a inovação tecnológica e formando recursos humanos qualificados. 

É válido destacar uma plataforma tecnológica na qual a UFABC vem atuando, desde sua criação, e que precisa ser intensificada: a Nanotecnologia. Nos países mais desenvolvidos, a pesquisa que utiliza a nanotecnologia busca soluções visando o desenvolvimento econômico, social e a sustentabilidade ambiental do nosso planeta. Essa tecnologia relaciona-se com várias áreas do conhecimento como, por exemplo, a física, a química, a biologia, as engenharias, a medicina, a tecnologia de informação, a ciência da computação e parte das ciências humanas e sociais. Cientistas de todas as áreas do conhecimento vêm utilizando ferramentas nanotecnológicas. Empresas interessadas em se tornar mais competitivas estão encontrando na nanotecnologia as soluções inovadoras desejáveis. Somente como ilustração, dentre centenas de exemplos existentes, citamos o programa do Estado de Hessen-Alemanha: Nanotechnology for Disaster Relief and Development Cooperation, no qual o Ministro do Interior escreveu: “A nanotecnologia pode nos ajudar a dissociar o crescimento econômico do consumo de recursos e poluição. Isso poderia facilitar uma nova forma de cooperação para o desenvolvimento, que reduziria o fosso entre países emergentes e em desenvolvimento, sem colocar pressões indevidas sobre o meio ambiente e o clima”. A nanotecnologia não configura uma promessa ou uma ficção futurista, ela já é uma realidade observada em inúmeros produtos de diferentes setores econômicos. No setor têxtil, por exemplo, há tecidos resistentes à sujeira, tecidos antibacterianos, antichamas e de alta resistência; no setor de cosméticos, protetores solares e produtos para maquiagem; no setor de fármacos, novas formas de administrar remédios, que reduzem os efeitos colaterais e potencializam as propriedades terapêuticas; no setor de saúde, há sistemas portáteis capazes de realizar diagnósticos complexos de forma precisa; no setor energético, há novos métodos de conversão de energia solar e de produção de biocombustíveis; no setor de eletrônica e fotônica, há novos métodos e dispositivos que apontam para uma revolução na computação; no setor ambiental, há soluções que permitem tanto o monitoramento como a remediação de poluição e contaminação; no setor de agricultura, pecuária e alimentos, nanotecnologias aumentam a produtividade e permitem ampliar a vida útil de alimentos. Para concluir, citamos uma passagem de um livro da economista Mariana Mazzucato (The Entrepreneurial State), que relata a visita aos Estados Unidos, em 1984, do então presidente francês François Miterrant, no Vale do Silício, Califórnia. Durante o almoço, ouviu de Perkins, sócio da Genentech Inc., exaltações à virtude dos investidores que financiaram as empresas. Segundo Washington Post (1984), Perkins foi interrompido por Paul Berg (Nobel em Medicina), que perguntou: “onde vocês estavam nas décadas de 50 e 60, quando foi preciso fazer todo o financiamento em ciência básica? As descobertas que tem alimentado a indústria foram feitas nessa época”.

Prof. Dr. Adalberto Fazzio 

* Artigo publicado no PesquisABC (Edição nº 19 · Abril/2017).

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