O Futuro Nuclear do Brasil
Texto dos professores Pedro Carajilescov e João Manoel Moreira Losada,da UFABC, e do professor Eloi Fernandez y Fernandez, da PUC-Rio, sobreperspectivas de desenvolvimento de tecnologia nuclear no Brasil deforma autônoma. Esse artigo foi publicado na edição de 22 de outubro dojornal "O Globo".
Ao assinar o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, na década de 70, um dosprincipais aspectos do contrato previa a transferência de tecnologiapara o país, envolvendo desde o projeto dos reatores até a tecnologiado ciclo do combustível.
Dos oito reatores PWR da Siemens-KWU, previstos inicialmente, apenas umreator foi construído e começou a operar em 2000, após décadas deprotelação. Componentes da segunda usina permaneceram estocados edeverão ser utilizados, agora, para a construção de Angra III.
Tendo em vista o longo prazo de construção de usinas do tipo de AngraII e III, sua instalação pode ser atropelada por descontinuidadespolíticas, usuais no Brasil, que levam à paralisação das obras,provocando enormes prejuízos econômicos e financeiros à empresageradora.
Entretanto, como parte do acordo com a Alemanha, opaís se beneficiou com a instalação da Nuclep (indústria de mecânicapesada) e da INB (fusão da fábrica de elementos combustíveis nuclearescom a Nuclei e a Nuclemon).
Ainda, em paralelo ao acordo coma Alemanha, o Brasil, através do Ministério da Marinha e a partir de1979, desenvolveu um programa nuclear autônomo, culminando com odomínio do ciclo do combustível e o aprofundamento dos conhecimentos datecnologia de reatores nucleares, além de ter levado à capacitação demuitas empresas nacionais para o fornecimento de componentes para osetor.
Neste cenário, com a perspectiva de implantação denovas usinas nucleares, até 2020, é preciso que se definam os rumos aserem tomados. Certamente, a capacitação tecnológica brasileira evoluiumuito desde a época do Acordo com a Alemanha, particularmente comrespeito ao ciclo do combustível. No caso do projeto de reatores, aexperiência se concentrou em reatores de pequeno porte para propulsãonaval. Assim, caso o país opte por reatores de grande porte (potênciasacima de 1000 MW), o papel que iremos representar será, essencialmente,de escolha do fornecedor, o que nos coloca na posição de meroscoadjuvantes.
Talvez seja este o momento do Brasildesenvolver, de forma autônoma ou em parceria com outros países, umalinha própria de reatores de potência de pequeno porte, digamos, nafaixa de 250 a 300 MW, a partir daquilo que já dispomos. Nesta linha deação, podemos antecipar um grande número de vantagens, a saber: (a)desenvolvimento de uma tecnologia própria e instalação de reatores commaior conteúdo nacional; (b) reatores de menor porte podem serconstruídos em menor tempo, minimizando os prejuízos associados adescontinuidades econômicas e políticas; (c) grandes potênciaselétricas podem ser obtidas através de clusters de reatores menores,permitindo a padronização e serialização de sistemas e componentes,assim como o desembolso escalonado de recursos financeiros; (d) usinasde menor porte podem atender melhor locais hoje abastecidos porsistemas elétricos isolados; (e) grande parte dos sistemas pode serfabricada em locais controlados e transportados para o sítio escolhidopara a usina, minimizando a necessidade de grandes canteiros de obras ede pessoal especializado local; (f) o aprendizado com uma usina podeser utilizado na implantação da usina seguinte, etc.
Alémdas vantagens apresentadas, o domínio da tecnologia de reatores depequeno porte pode transformar o Brasil em fornecedor de tecnologiapara países de economias menores, que necessitam de eletricidade emmenor escala e que dispõem de menos recursos para investimento eminfra-estrutura.
Finalizando, talvez o setor nuclearbrasileiro deva se espelhar no exemplo da Embraer que encontrou suavocação no desenvolvimento e na produção própria de aviões,inicialmente, de pequeno porte e, hoje, de porte médio, tornando-se umapotência mundial no setor aeronáutico.
Pedro Carajilescov (Professor da UFABC)
João Manoel Moreira Losada (Professor da UFABC)
Eloi Fernandez y Fernandez (Professor da PUC-Rio)
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