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Honrar a história para não repeti-la: a conscientização crítica diante de movimentos neonazistas contemporâneos

Publicado: Quarta, 30 de Novembro de 2022, 17h36

Artigo autoral

Apresentação

No dia 3 de novembro de 2022, aconteceu uma situação inédita na UFABC: um membro da comunidade foi identificado no campus de Santo André utilizando vestimentas com um símbolo nazista. Como não poderia deixar de ser, a situação gerou grande impacto e repercussão nas comunidades interna e externa, principalmente diante do atual momento político e social que o Brasil e grande parte do mundo enfrentam, com a ascensão de movimentos e práticas neonazistas, capitaneadas pela extrema-direita. No mesmo dia, a Reitoria da Universidade manifestou posicionamento rechaçando quaisquer incitações de intolerância na Instituição, e encaminhou a ocorrência para que fosse feita uma rigorosa apuração por comissão apropriada, que atua de forma imparcial e independente.
Desde então, a partir de interlocução de atores institucionais da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas, especialmente profissionais que atuam diretamente com questões voltadas aos Direitos Humanos, a Universidade tem buscado promover agenda de mobilização e conscientização, por meio do debate coletivo e qualificado sobre o tema. Convidamos todas e todos a apreciarem o artigo a seguir, que traz uma reflexão fundamental sobre o assunto do neonazismo, e que foi redigido pela servidora técnica-administrativa Clarissa de Franco, psicóloga da PROAP com vasta experiência prática e teórica no campo dos direitos humanos.

Boa leitura!

Assessoria de Comunicação e Imprensa

 

Honrar a história para não repeti-la: a conscientização crítica diante de movimentos neonazistas contemporâneos

A Assembleia Geral das Nações Unidas escolheu 27 de janeiro como o “Dia Internacional da Memória do Holocausto”, e, desde 2005, a ONU tem realizado cerimônias para marcar o aniversário da liberação de Auschwitz-Birkenau e homenagear aproximadamente seis milhões de judeus mortos no Holocausto.

As datas comemorativas não são meros elementos simbólicos que adornam nosso calendário anual. Demarcar a história é, antes de tudo, honrá-la, é permitir que não haja um apagamento ou invisibilização das violências que a humanidade comete. É honrar a memória de quem sofreu horrores físicos e psicológicos, e foi assassinado/a em função do ódio. Relembrar é reconhecer que, nós, seres humanos somos capazes das maiores atrocidades, mas também de reparações históricas por meio da justiça, da conscientização, do desenvolvimento de um corpo crítico coletivo que nos leva a questionar pensamentos, palavras, gestos e ações e não mais permitir a disseminação da semente do ódio.

Movimentos neonazistas surgiram após o fim da Segunda Guerra em tentativas de resgate de uma ideologia de extrema direita que combina antissemitismo (ódio aos judeus e que foi estendido ao ódio a outros grupos já socialmente marginalizados), crença na supremacia racial (que fornece bases para o racismo e também crimes de ódio contra diversos grupos, como pretos/as, nordestinos/as, população LGBTQIAP+, indígenas, migrantes, mulheres, pessoas com deficiência, entre outras) e ultranacionalismo (que apoia posturas totalitárias em nome da ideia de unificação da nação).

Assim como em outras partes do mundo, no Brasil, o crescimento de movimentos neonazistas é evidente na última década, acompanhando a ascensão da extrema direita. De forma resumida, como aponta Adriana Abreu Magalhães Dias[1], tais movimentos assumem uma ideologia que compreende que algumas vidas humanas têm direito natural sobre o Estado nacional, autorizando a si mesmas a eliminar grupos sociais alvos de seu ódio, que não se resumem apenas aos judeus, como durante o nazismo liderado por Hitler, mas abrangem diversos grupos, como apontado.

E de que forma estariam conectadas as ideologias neonazistas com a defesa da bandeira e do lema “ordem e progresso”, ou o apelo à volta à ditadura militar? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o ultranacionalismo, ou a defesa de uma ideia de nação unificada, é um dos valores centrais das ideologias autoritárias. O reacionarismo conservador de direita pode ser caracterizado por posições políticas que reivindicam o retorno a um estado anterior idealizado diante de uma condição atual percebida como ameaça, decadência ou perigo. Nesse sentido, posições que percebem os direitos humanos como ameaça ou decadência moral e reivindicam um retorno a um passado de “ordem e progresso” entram para um espectro ideológico e moral que está no mesmo radar dos movimentos neonazistas.

O nacionalismo sempre foi um sentimento que esteve à beira dos movimentos autoritários que tenderam a posturas totalitárias, e, em última instância, sustentaram mecanismos antidemocráticos. Defender a ideia de Estado-nação é forjar artificialmente a fabricação de uma noção de identidade nacional pela via do fortalecimento de símbolos nacionais que servem ao controle ideológico e político do território e da população. Quisera os Estados-nação, gestados na modernidade, fossem somente unificadores de bons afetos pela pátria. No entanto, como lembra Hannah Arendt, são estes Estados soberanos que perseguem minorias étnicas que não se encaixam no modelo ideal de nação. São também estes Estados que fortalecem a massificação social e a perda de autonomia dos indivíduos, sob a máscara dos direitos e da possibilidade de exercício da cidadania.

A perspectiva da supremacia branca promove um controle simbólico das cores e das raças. O controle das cores é também o domínio das mentes, das ideologias, do pensamento, das opiniões, das vivências, das identidades, da sexualidade, dos corpos. O controle das cores representa todo um projeto de nação contra a diversidade do arco-íris, do preto, do amarelo, do pardo, de outras possibilidades identitárias.
Em função do apresentado, é possível compreender que a ascensão da extrema direita em nosso país (e também em outras partes do mundo) trazem consigo uma semente autoritária, violenta e racista que não pode ser ignorada. Não é por acaso que também o negacionismo ascendeu como valor no mesmo cenário histórico, pois apagar a história e negar os fatos e a ciência dão força a quem constrói uma realidade paralela que autoriza a aniquilação do outro. Ao minimizarmos os símbolos e as estratégias de tais grupos, estamos também, ainda que inconscientemente, compactuando com as suas ideologias. É preciso coletivamente estarmos atentos/as e fazermos justiça social e histórica a todo momento.

A violência, no entanto, seria uma linguagem que nos igualaria aos grupos autoritários e criminosos a que nos referimos neste texto. Não se trata de “tolerar os intolerantes”, mas de criar compromissos éticos em coletividade de forma que existam as devidas apurações, encaminhamentos, ações de reparação de conduta e, quando comprovado crime, as devidas punições. A história não pode ser ocultada. A justiça demanda uma conscientização crítica e novos pactos sociais que implicam a participação de todos/as/es nós na construção de sociedades éticas. A Universidade pública, com sua pluralidade e compromisso com a formação cidadã, é, indubitavelmente, um dos espaços sociais mais preparados para intermediar esse debate, estimular o conhecimento coletivo e transformar, estruturalmente, práticas e pensamentos, em prol da construção de uma sociedade mais justa, igualitária, diversa e ancorada nos preceitos democráticos.

foto clarissa franco ufabc

Clarissa De Franco é psicóloga atuante nas questões voltadas aos direitos humanos na PROAP, e professora universitária, doutora em Psicologia, com Pós-Doutorado em Ciências Humanas e Sociais e em Estudos de Gênero.

  

 

 

 

 

 

[1] A discussão pode ser aprofundada nesse vídeo.

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